Enfrentar uma acusação de crime tributário, especialmente a complexa apropriação indébita de ICMS (Art. 2º, II, Lei 8.137/90), é uma das situações mais estressantes para qualquer empresário ou gestor. No universo do Direito Penal Tributário, cheio de nuances e diferente do penal comum, a linha entre a mera inadimplência fiscal – fruto talvez de dificuldades financeiras – e a conduta criminosa pode parecer tênue, gerando enorme insegurança jurídica. Um erro comum é acreditar que dever tributo, por si só, já configura crime.
Contudo, uma importante decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Agravo Regimental no Recurso Ordinário em Habeas Corpus 192.854/SC (julgado em 02/10/2023), reforça critérios essenciais que podem levar à absolvição, mesmo quando há ICMS declarado e não pago. Essa decisão é um divisor de águas e oferece argumentos sólidos para uma defesa estratégica em casos semelhantes, fundamental em um cenário de crescente fiscalização e mudanças jurisprudenciais (como a do RHC 163.334 que passou a criminalizar o não pagamento contumaz com dolo de apropriação).
Como advogado criminalista especialista em crimes tributários, analiso frequentemente casos como este e posso afirmar: nem todo não pagamento de ICMS declarado configura crime. O STF deixou isso claro, e entender essa distinção é vital para evitar consequências graves, incluindo o risco de prisão.
O caso analisado pelo STF (AgRg no RHC 192.854/SC) envolvia um empresário acusado do crime previsto no art. 2º, II, da Lei 8.137/1990, por ter deixado de recolher ICMS declarado durante seis meses consecutivos.
As instâncias ordinárias haviam condenado o empresário, entendendo que a omissão reiterada configura o dolo. A defesa recorreu, e a decisão monocrática inicial no STF absolveu o réu. O Ministério Público agravou essa decisão, mas a Segunda Turma do STF, por maioria, negou provimento ao agravo, mantendo a absolvição do empresário e reafirmando a necessidade de uma análise mais profunda.
A decisão do STF se baseou em fundamentos cruciais, alinhados ao precedente firmado no RHC 163.334/SC:
Mera Inadimplência Fiscal vs. Crime Tributário: O simples ato de não pagar o tributo declarado não configura automaticamente o crime. É preciso distinguir a esfera fiscal (dívida) da esfera penal (crime). A ausência dos elementos contumácia e dolo de apropriação leva à atipicidade da conduta penal.
Necessidade de Contumácia Comprovada: Para caracterizar o crime, a inadimplência deve ser contumaz, ou seja, sistemática, persistente, um verdadeiro modus operandi, e não apenas uma sequência pontual.
Exigência do Dolo de Apropriação (Intenção Específica): Além da contumácia, é indispensável a comprovação do dolo específico de apropriação. A acusação precisa demonstrar, com base em circunstâncias objetivas factuais, que o empresário teve a intenção deliberada de se apoderar dos valores do Fisco, e não apenas que enfrentou dificuldades para pagar.
Aplicação Imediata de Tese Firmada: O STF reforçou que a tese fixada em julgamento de mérito (como no RHC 163.334) deve ser aplicada imediatamente, mesmo com recursos pendentes no caso paradigma.
A decisão no RHC 192.854/SC aplicou diretamente o entendimento firmado anteriormente pelo Plenário do STF no julgamento do RHC 163.334/SC:
1. Tese Firmada (RHC 163.334): “O contribuinte que deixa de recolher, de forma contumaz e com dolo de apropriação, o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990.”1 (AMBOS os requisitos são necessários).
2. Caso Concreto (RHC 163.334): Naquele caso (8 meses não consecutivos, ~R$ 30 mil), o STF não absolveu imediatamente, mas determinou que o juiz de origem analisar se havia provas da contumácia e do dolo de apropriação, citando exemplos de circunstâncias objetivas factuais que poderiam indicar o dolo: inadimplemento prolongado sem tentativa de regularização, venda abaixo do custo, uso de “laranjas”, criação de obstáculos à fiscalização, encerramento irregular das atividades, dívida ativa superior ao capital social, etc.
3. Conclusão: O Ministro Edson Fachin aplicou a tese e concluiu que, no caso dos 6 meses de inadimplência, não havia nos autos elementos concretos que demonstrassem a contumácia e o dolo de apropriação, para além da mera repetição do não pagamento. Faltavam os “dados factuais objetivos” exemplificados no RHC 163.334. Por isso, manteve a absolvição por atipicidade da conduta.
Característica | Mera Inadimplência Fiscal (ICMS Declarado) | Crime de Apropriação Indébita Tributária (Art. 2º, II) |
Natureza | Ilícito administrativo/fiscal (Dívida) | Ilícito Penal (Crime) |
Conduta Principal | Deixar de pagar tributo declarado | Deixar de recolher tributo cobrado de terceiro |
Requisitos Essenciais | Débito declarado e não pago | Débito + Contumácia Comprovada + Dolo de Apropriação Comprovado |
Elemento Subjetivo | Não exige dolo específico | Exige Dolo Específico (intenção de se apropriar) |
Contumácia | Irrelevante para configurar (gera multa/juros) | Essencial (demonstração de prática sistemática e deliberada) |
Consequência | Cobrança fiscal, multa, juros, execução fiscal, protesto | Processo criminal, pena de detenção (6m a 2a) e multa |
“(…) a caracterização do delito pressupõe a existência de contumácia do devedor e dolo de apropriação, requisitos não observados na fundamentação empregada pelas instâncias ordinárias.” (Voto Min. Edson Fachin)
“Tais elementos [do RHC 163.334], todavia, afastam-se sobremaneira do mero inadimplemento tributário ao longo de seis meses: a constatação da contumácia pressupõe que se agreguem a esses outros dados fáticos capazes de, em conjunto, demonstrá-la.” (Voto Min. Edson Fachin)
Tese do RHC 163.334: “O contribuinte que deixa de recolher, de forma contumaz e com dolo de apropriação, o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990.”
A decisão no AgRg no RHC 192.854/SC é um importante lembrete de que a criminalização da inadimplência tributária não é automática. O STF exige a comprovação robusta e individualizada da contumácia e do dolo de apropriação.
Se você ou sua empresa enfrentam acusações criminais relacionadas ao não recolhimento de ICMS ou outros tributos (sonegação fiscal, apropriação indébita previdenciária, etc.), é fundamental contar com uma defesa técnica especializada em Direito Penal Tributário. Somente um especialista poderá analisar as nuances e particularidades do seu caso, buscar as provas necessárias (muitas vezes no processo administrativo) e argumentar a ausência dos elementos essenciais para a configuração do crime, buscando a absolvição.
A advocacia penal tributária exige conhecimento específico e estratégia apurada.
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