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Inépcia da Denúncia: Cargo de Diretor não Justifica Denúncia em Crimes Tributários – RHC 181951/SC

Inépcia da Denúncia: Cargo de Diretor não Justifica Denúncia em Crimes Tributários – RHC 181951/SC

A defesa em crimes contra a ordem tributária exige um olhar atento às nuances e à jurisprudência em constante evolução. Uma decisão recente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Recurso em Habeas Corpus (RHC) nº 181.951/SC, reforça um pilar fundamental do Direito Penal: a impossibilidade da responsabilidade penal objetiva, especialmente em crimes societários envolvendo grandes corporações. Para advogados criminalistas, tributaristas e empresários, compreender este precedente é crucial para construir defesas estratégicas e evitar acusações genéricas.

 

Contexto

No caso analisado, dois ex-diretores-presidentes de uma empresa de grande porte (Level 3 / Centurylink) foram denunciados pela suposta prática do crime previsto no art. 1º, II, da Lei nº 8.137/90 (omitir operações em documentos e livros fiscais), combinado com causa de aumento e continuidade delitiva, resultando em um prejuízo alegado de mais de R$ 2,5 milhões em ICMS ao estado de Santa Catarina. A acusação baseou-se fundamentalmente no fato de que os recorrentes ocupavam o cargo de diretores-presidentes à época das supostas irregularidades fiscais (omissão de registro de prestações de serviços de comunicação tributáveis).

A defesa impetrou Habeas Corpus no Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) alegando inépcia da denúncia e ausência de justa causa, mas a ordem foi denegada. Inconformados, recorreram ao STJ.

Fundamentos da Decisão do STJ: Rejeição da Responsabilidade Objetiva

O Ministro Relator Sebastião Reis Júnior, ao analisar o RHC 181.951/SC, concedeu a ordem para trancar a ação penal, reconhecendo a manifesta ilegalidade da denúncia. A decisão se baseou nos seguintes pontos, que podem ser estruturados como um precedente:

  1. Tese Firmada:

    • O Direito Penal brasileiro repudia a responsabilidade penal objetiva, ou seja, a punição baseada unicamente na posição ou cargo ocupado pelo indivíduo, sem a demonstração de sua conduta específica (ação ou omissão dolosa) vinculada ao fato criminoso.
    • Em crimes societários, especialmente em empresas de grande porte, a denúncia deve ir além da mera indicação do cargo (como diretor, sócio, administrador). É imprescindível que a peça acusatória descreva, ainda que minimamente, qual a conduta específica do acusado ou qual sua competência funcional estatutária que o conecta aos fatos delituosos narrados.
    • A ausência dessa descrição individualizada viola os princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal, além de configurar a vedada responsabilidade objetiva. É necessário demonstrar o liame subjetivo entre o acusado e o crime.
  2. Caso Concreto (RHC 181.951/SC):

    • A denúncia imputou aos recorrentes a prática de crime contra a ordem tributária (redução de ICMS mediante omissão de registros) justificando sua inclusão no polo passivo apenas e exclusivamente pelo fato de terem sido “diretores-presidentes” da empresa durante os períodos mencionados.
    • O Ministério Público não detalhou quais seriam as funções estatutárias específicas dos acusados, nem como essas funções os ligariam diretamente às omissões fiscais. Não houve descrição de qualquer ato concreto praticado por eles (ordenar, consentir, participar da fraude, etc.).
    • Tratando-se de empresa de grande porte, a presunção de que o diretor-presidente tem conhecimento ou participação em todas as operações fiscais é inadmissível para fundamentar uma acusação penal.
  3. Conclusão do Magistrado (Min. Sebastião Reis Júnior):

    • A denúncia mostrou-se inepta por não atender aos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal (CPP), ao não descrever a conduta individualizada dos acusados e seu vínculo com os fatos.
    • A acusação configurou responsabilidade penal objetiva, pois baseou-se unicamente no cargo ocupado pelos diretores.
    • Diante da manifesta ilegalidade, a ação penal foi trancada em relação aos recorrentes, ressalvando-se a possibilidade de oferecimento de nova denúncia, desde que esta descreva adequadamente as condutas e atenda às exigências legais.

Implicações Práticas para Advogados e Empresários

Esta decisão do STJ é um precedente valioso para a defesa de empresários, diretores e administradores acusados de crimes tributários. Ela reforça que:

  • Não basta ser sócio ou diretor: A simples posição na empresa não é suficiente para justificar uma ação penal tributária. A acusação precisa provar a ligação pessoal e intencional do indivíduo com a sonegação.
  • A Teoria do Domínio do Fato é Relevante: Embora não citada expressamente, a decisão dialoga com a necessidade de demonstrar quem efetivamente tinha o controle sobre a ação delituosa. A defesa pode (e deve) usar essa teoria para excluir sócios ou diretores que não tinham responsabilidade direta sobre a área fiscal ou contábil.
  • A Importância da Análise Detalhada: Advogados devem analisar minuciosamente a denúncia. Se ela for genérica, baseada apenas no cargo, a tese da inépcia por responsabilidade objetiva, fundamentada em precedentes como o RHC 181.951/SC, é uma via poderosa para buscar o trancamento da ação penal, muitas vezes através de Habeas Corpus.
  • Investigação Interna: É fundamental, como estratégia de defesa, buscar no processo administrativo tributário e nos documentos societários (estatuto, atas, organograma) elementos que demonstrem a ausência de poder ou responsabilidade do acusado sobre os atos questionados. Conforme apontado nos textos de apoio, solicitar a cópia integral do processo administrativo é um passo essencial.

Tabela Comparativa: Elementos da Denúncia em Crime Societário

Elemento Essencial (Denúncia Válida)Elemento Insuficiente (Denúncia Inepta – RHC 181.951/SC)
Descrição da conduta específica do acusado (ação ou omissão dolosa).Mera indicação do cargo ou posição na empresa.
Indicação da função estatutária/poder de gestão ligado ao fato.Ausência de detalhamento das competências funcionais.
Demonstração do liame subjetivo (vínculo) com o crime.Presunção de autoria baseada apenas no cargo.
Individualização da responsabilidade.Atribuição genérica de responsabilidade (objetiva).

Trechos Relevantes da Decisão (RHC 181951/SC):

  • “Ora, da leitura dos trechos acima transcritos, percebo que estamos diante da chamada responsabilidade objetiva, porquanto a presença dos recorrentes é justificada apenas e exclusivamente no fato de terem sido diretores-presidentes de uma empresa.”

  • “O caso em apreço envolve uma empresa de grande porte […] na qual, necessariamente, o fato de o administrador ocupar determinado cargo não implica o conhecimento de tudo que ocorre na sua área de gestão. Ou seja, o simples fato de os recorrentes terem sido diretores-presidentes não significa que eles ou tinham conhecimento ou efetivamente participaram dos fatos apontados como ilegais (redução de tributos).”

  • “Na espécie, não há o cuidado do Ministério Público, ao ofertar a denúncia, de apresentar, de detalhar quais as funções estatutárias dos acusados e como tais funções os ligariam aos fatos tidos como ilegais. Há apenas a indicação dos cargos ocupados e nada mais.”

  • “[…] Esta Corte Superior tem reiteradamente decidido ser inepta a denúncia que, mesmo em crimes societários e de autoria coletiva, atribui responsabilidade penal à pessoa física, levando em consideração apenas a qualidade dela dentro da empresa, deixando de demonstrar o vínculo desta com a conduta delituosa, por configurar […] responsabilidade penal objetiva, repudiada pelo ordenamento jurídico pátrio. (RHC n. 43.354/PA, da minha relatoria, Sexta Turma, DJe 13/10/2015 – grifo nosso)”

  • “Assim, confirmo a decisão liminar e dou provimento ao recurso em habeas corpus a fim de reconhecer a inépcia da denúncia de fls. 24/27 e trancar a ação penal proposta contra os ora recorrentes, ressalvando, desde já, a possibilidade de outra ser ofertada desde que atendendo aos requisitos do art. 41 do CPP.”

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Advogado Criminalista em Belém – Dr. Jaime Torrinha • Atendimento 24 h em todo o Brasil Resposta imediata, Experiência em STJ/STF, Consultoria preventiva, Atuação presencial e online. Especialista em Processo Penal Aplicado à Prática Criminal, especialista em Direito Constitucional, Especializando em Direito Penal Econômico e Empresarial, Especializando em Compliance Penal com ênfase na Advocacia Criminal.
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